sábado, 8 de dezembro de 2012

Tranquilidade em Kalabo


Os últimos dias aqui em Kalabo têm sido do mais calmo que tem havido.

Depois de meses frenéticos, em que mal parava para respirar, desde que voltei de Livingstone que pouco tenho feito. Tenho aproveitado para descansar, tirar fotografias, ler, desfrutar aqui da vila e do rio, e nos intervalos aproveito para fazer qualquer coisa que vai aparecendo: levar scouts ao parque, terminar coisas de SIG, testar uns rádios... pouco mais.

À pesca no Luanguinga numa canoa tradicional
Ontém à tarde tive a oportunidade de voar com o Craig sobre o parque.Se o parque é lindo visto do chão, visto do ar então... só tive pena que não tivessemos voado sem as portas para as fotografias serem melhores, a sujidade e os reflexos no vidro não ajudaram a que a fotos representem a paisagem brutal que estava por baixo de mim: bandos de aves, manadas de gnus, zebras, bufalos, rios e lagos, árvores, aldeias, sombras... lindo!

Prontos para voar!


Em pouco mais de uma semana o parque passou de completamente seco para um estado de água por todo o lado, a paisagem transformou-se num instante e presenciar essa mudança na paisagem é qualquer coisa de espetacular!




Por mais que tente as fotografias não representam a beleza e a sensação de imensidão que o parque transmite... Olho para a paisagem “uau! Brutal, isto merece uma foto”, tiro a foto, olho para o resultado e “oh... bela bosta”, tiro os olhos da máquina e volto a olhar a paisagem: “Uau!” mais uma vez...


terça-feira, 27 de novembro de 2012

Visita a Livingstone


Para aproveitar uns dias de descanso que me concederam, aproveitei para ir a Livingstone e ver as tão famosas Cataratas Victoria. Para ir para Livingstone tinha que ir de autocarro e para isso precisava de ir a Mongu. Aproveitando uma boleia de uns tipos aqui do parque que precisavam de ir a Mongu na 4ª feira passada, aí fui eu.

Elefantes nas margens do Zambezi em Livingstone

De Mongu a Livingstone são apenas 530 kms, no entanto a estrada é tão má, que só há um autocarro por semana e demora dois dias a lá chegar... passar 48 horas num autocarro mais velho que sei lá o quê por estradas do inferno, não me pareceu uma boa ideia, pelo que decidi ir para Livingstone via Lusaka, um caminho de 1100km mas que demora bem menos tempo... Claro que nem tudo é perfeito e os autocarros expresso (pelo menos os que apanhei) são uma espécie de igreja maná sobre rodas... se não és católico ou lá o que é, ficas a ser à força: horas e horas num autocarro com videos de missas ao bom estilo da igreja universal, coros de igreja, por aí fora... houve um autocarro que apanhei que antes de o autocarro arrancar levas com um padre a dar missa dentro do autocarro que te lixas! Devia ter levado uma t-shirt a dizer “I love satan” só para chatear...

Finalmente vi crocodilos como deve ser quanto arrotava 60$ num cruzeiro com jantar no Zambezi
Na estação de autocarros de Lusaka, um espaço aberto onde quaisquer semelhanças com uma lixeira a céu aberto são pura coincidência, decidi fumar um cigarrito enquanto esperava pelo autocarro, nisto aparece-me um polícia à frente a dizer que fumar ali era proibido e que tinha que o acompanhar à esquadra. Dentro da esquadra, um espaço minúsculo com mais dois polícias lá dentro e um cheiro no ar que era um misto de suor e mijo, dizem-me que tenho que pagar uma multa de 450.000 Kwachas (90$), peço-lhes imensa desculpa dizendo que não fazia a mínima ideia e que não há sinais absolutamente nenhuns a dizer que é proibido fumar, a resposta não podia ser pior: “se não paga a multa fica detido”. “Wow! O quê?” Tentei explicar que era um turista e que não sabia as regras dali e que tinha um autocarro para apanhar em 30 minutos e que não podia estar ali mais tempo... o cabrão nem truz nem muz... até que lhe disse que só tinha 50.000K comigo... claro que olharam uns para os outros e claro que aceitaram o soborno... saí dali o mais depressa que pude e enfie-me logo no autocarro.

Livingstone a comparar com as outras cidades que tenho visto aqui na Zâmbia é bem mais arrumadinha e limpinha, não fosse o local mais turístico de todos. Tudo ali é virado para o turismo, centenas de gajos na rua a impingirem óculos escuros, estatuetas, pulseiras, brincos, tudo e mais uma coisa... e que chatos que são! Mesmo nas lojas, não se consegue estar um segundo a olhar para as coisas sem que venha um gajo agarrar-te no braço e fazer-te ver as coisas que ele quer... marketing mais agressivo não há, o que eles não percebem é que isso só tira a vontade de comprar o que quer que seja.

Babuínos no catanço em Victoria Falls
Mas como qualquer sítio virado para o turismo tudo se paga e bem! Há imensa coisa fixe para se fazer em Livingstone, desde que tenham uma carteira a transbordar dinheiro. Eu bem que gostava de ter feito rafting... mas pagar 160$ pareceu-me um bocado exagerado. Até para se ver as cataratas é preciso pagar 20$ e se quiseres dar um passeio por uma zona das cataratas e vê-las um bocado melhor pagas mais 40$... fiquei-me pela vista de longe, isto de ser voluntário não dá para grandes gastos. Para ajudar a coisa, apercebi-me que não conseguia levantar dinheiro o que exigiu uma gestão apertada do pouco dinheiro que tinha comigo.
Apesar de no início estar apreensivo quando cheguei ao hostel por estar sozinho, rapidamente dei por mim a divertir-me com americanos, brazileiros, alemães e japoneses. O que fez com que não tivesse passado praticamente tempo nenhum sozinho em Livingstone e aproveitado para socializar como já não fazia desde que saí de Portugal!

Hipopótamos no Zambezi

No regresso... o autocarro atrasou-se, só chegando a Mongu às 17:30. Para ir para Kalabo de carro é preciso atravessar o Zambezi numa especie de ferry, no entanto o ferry fecha às 18 horas. Ou seja, à hora que cheguei ninguém me podia ir buscar de carro de Kalabo e sem dinheiro no bolso o que é que ia fazer em Mongu durante a noite? Uns quantos telefonemas depois e lá havia a hipótese de ficar em Mongu numa residencial de um bacano amigo de um tipo de Kalabo e fazia-se o pagamento depois... epah... mas eu queria mesmo era ir para Kalabo, pelo que decidi tentar de qualquer forma: Fui até à estrada que vai para o ferry e lá consegui apanhar boleia de um tipo até ao rio. No rio o tipo falou com uns pescadores que me levaram à outra margem numa canoa artesanal a troco de dois punhados de amêndoas que tinha comigo.
Que descanso, o caos das cidades africanas já tinha ficado para trás. Já do outro lado, enquanto esperava pela minha boleia para Kalabo, juntei-me a uma família de vendedores à beira rio que estavam a acabar o jantar à fogueira e aproveitei para admirar o Zambezi à noite banhado pelo luar. Não me importava que a minha boleia demorasse, ali estava em paz.
Victoria Falls - Numa época onde a quantidade água é das mais baixas do ano...

domingo, 18 de novembro de 2012

BBC Survival


O cansaço é tanto que a inspiração para escrever é quase nula... Na verdade, nem sei por onde começar...

As últimas 3 semanas foram de loucos! Após dois diazitos em Kalabo para comprar alguns legumes e arranjar roupa lavada, heis que o que me esperava em Matamanene não podia ser mais hard-core, mas ao mesmo tempo mais fixe.
A caminho dos mabecos

Com os tipos do Zambian Carnivore program ocupadíssimos com as chitas, restava uma pessoa para fazer o trabalho de manter os cães debaixo de olho durante a noite: eu.

Mabecos às 6:00: "mas este tipo está sempre aqui?"

O que aconteceu foi que fiquei 7 noites seguidas com os cães, isto poderia ser perfeitamente tranquilo se conseguisse dormir como deve ser durante o dia, mas com o calor, o que acontecia era acordar por volta das 10 a suar e sem conseguir domir. 

Os meus aposentos nesta última semana em Matamanene

Na última noite já estava mais morto que vivo! Os tipos da BBC ficaram tão agradecidos que decidiram pagar-me e trocámos e-mails e agora ao meu CV posso acrescentar "Filming assistant for BBC Survival - Wild Dogs Zambia"! 

Os irmãos Dalton

Um dos Dalton, ou a mamã Dalton... já não me lembro!

Nunca pensei estar tão perto de um documentário da BBC! O documentário sai só em Dezembro 2015, mas estou ansioso para ver o making of!
Agora que cheguei a Kalabo, só quero é descansar e tomar um banho!

Alguém sabe que escaravelho é este?


Vai um grilinho frito?
Posso dizer-vos que eram bem grandes (4 ou 5 cm) e que não sabem nada mal, parece camarão!

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

13 horas com mabecos – Parte II


No segunda noite de observação de mabecos, não se passou grande coisa, eles tinham caçado um gnu adulto nessa manhã e então limitaram-se a ficar a dormir a noite quase toda. No início da noite houve um grupo de umas 4 hienas que se aproximaram e então os mabecos limitaram-se a deitarem-se todos juntos uns metros mais à frente de forma a não serem incomodados pelas hienas. Nada digno de excitante nessa noite não fosse a trovoada monumental...

Metido num carro sozinho na planície e a toda a minha volta relâmpagos brutais, à minha frente, à esquerda, à direita, atrás de mim... clarões por todo o lado, uns atrás dos outros e a trovoada deu origem a uma chuvada que começou às 20h e durou até às 3 da manhã, a trovoada aproximou-se e para além dos relâmpagos já se ouviam os trovões, mais e mais perto... devo dizer que a ideia do carro ser atingido por um raio me passou pela cabeça, mas parece que como o carro tem pneus de borracha, está isolado da terra e por isso não há perigo disso acontecer, o perigo está em sair do carro... coisa que não fiz.

Nessa noite utilizei outro carro, o carro do Zambian Carnivore Program (eu e os tipos do ZCP vamos alternando quem fica com os cães à noite) , que tem uma capota com infiltrações... eu só desejava que parasse de chover! Caíam gotas de água nos dois bancos da frente e um bocado na parte de trás. Levei um cobertor, porque as noites andam a arrefecer, mas a sensação de estar a dormitar enrolado no cobertor e de vez em quando cairem-me pingas de água na cara era horrível. Ainda passei algum tempo em que me limitava a agarrar em dois copos para amparar as gotas que teimavam em cair dentro do carro... mas às tantas os meus ombros cederam e deixei-me disso. Só queria que a chuva parasse... Quando por fim parou, passado cerca de uma hora, heis que os cães acordaram, espreguiçaram-se, cumprimentaram-se, brincaram um bocado e começaram a andar para Norte. Bem estava na altura de eu despertar também e começar a segui-los, passado duas horas heis que chegou a equipa da BBC e pude ir finalmente dormir, para variar só adormeci às 8h da manhã.

Mabeco

BBC em acção

Nessa mesma tarde, curiosamente estava bastante acordado, talvez por a noite ter sido bastante calma e por ter acordado só ao meio-dia, e decidi ir com o pessoal da BBC para as filmagens dessa tarde.
Foi o melhor que fiz, porque nessa mesma tarde presenciámos uma caçada ao gnu, desde o início em que os cães começaram a correr que nem desvairados até à morte lenta do gnu... e quando digo lenta, digo mesmo lenta... que cena mais macabra. Os mabecos não matam a presa e depois comem-na, não, estes meninos cansam a presa, massacram-na com “dentadinhas” aqui e ali, até que esta acaba por cair, aí eles começam a comê-la viva, até que esta acaba por morrer... é muito menos bonito do que na televisão e a sensação de ouvir o gnu a gemer e a grunhir enquanto os cães já lhe arrancam bocados de carne por debaixo da pele é assustadora.
A morte do artista

Por isso já sabem, quando sair o documentário da BBC vão ter uma cena de mabecos a comerem um gnu com o por do sol como pano de fundo. Pena que nesta fase a minha máquina já estivesse sem bateria...

Blue waxbill

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

13 horas com mabecos


Adivinhem quem está em Matamanene durante 3 semanas? Uma equipa da BBC para filmar mabecos aqui no parque! Depois de ter visto carradas de documentários de vida selvagem, acaba por ser um bocado surreal estar no mesmo sítio que esta malta e conhecer o Herbert que está a fazer um documentário sobre leões, que provavelmente será da National Geographic, e agora malta da BBC aqui em Liuwa Plain.

BBC em Liuwa Plain National Park

Depois de ter estado a observar leões, pensava eu que tinha sido algo hardocore: acordar às 4:30, ficar no carro até à hora de almoço e mais um bocado de observação à tarde... sabem que mais? Isso não foi nada!
Parece que os tipos da BBC não querem filmar de noite, no entanto os mabecos, ainda por cima com a lua cheia, agora fartam-se de andar à noite e como não há tempo a perder para os encontrar de manhã, heis que a minha tarefa é ficar com os mabecos a noite toooooooooooooda!

Ontém posso dizer que foi dos dias mais longos de sempre, acordei ás 6 da manhã para vir para o parque e às 18h estava a ir ter com os mabecos. Comigo tinha um prato com o jantar, um pacote de bolachas, duas garrafas de água, e o sistema de telemetria para encontrar e seguir os bichos (20 neste caso) caso os perdesse de vista. Foi uma longa noite, sentado no carro durante 13h!
De cada vez que os encontrava e eles se deitavam um bocado punha o despertador para 30 minutos mais tarde, passava um pouco pelas brasas, acordava e na maior parte das vezes eles já lá não estavam, aí ia eu à procura deles: uma mão no volante e nas mudanças, a outra a segurar a antena de fora da janela e o receptor no meu colo para ouvir se me estava a aproximar ou não, ora mais para a esquerda, ora para a direita...

Não foi nada fácil, devo dizer que as minhas costas estavam em papa e o meu braço de estar quase sempre esticado a segurar na antena já doía um bocado. Já para não falar de como urinar quando se está rodeado de hienas e mabecos?! Bem, não se pode conter isso eternamente e há alturas em que tem mesmo de se mandar uma mija... e não foi assim tão complicado, as hienas estavam entretidas com o gnu e os mabecos estavam deitados e ver o panorama, foi só abrir a porta do carro e mandar uma mija mesmo ali ao lado protegido pela porta para não me verem como um humano mas sim como um animal estranho com 4 rodas. Enquanto vertia águas mantinha sempre um olho no burro e outro no cigano, não fossem os animais aproximarem-se.

Mas foi como viver num documentário! Foi brutal vê-los a tentar caçar gnus à noite, não é que visse muito, tal era a poeirada no ar que a caçada provocava, mas entretanto lá conseguiram caçar, eu não vi, foi numa daquelas alturas em que adormeci e pufff... perdi a acção, mas quando cheguei perto deles, não eram mabecos que se estavam a banquetear, mas sim um grupo de cerca de 15 hienas. Foi brutal estar no carro a 5 ou 6 metros de 15 hienas ao molho a devorarem um gnu, ou deverei dizer chafurdarem numa carcaça de gnu, ouvi-las a grunhir e ouvir o som dos ossos a quebrar(!) e andarem à pancada umas com as outras. Os mabecos, coitados, limitaram-se a ficar ali deitados a vê-las a comer o que lhes pertencia. Como é que sei que foram os mabecos que caçaram? Bem... toda a noite vi hienas e seguir os mebecos por onde quer que fossem e é uma coisa que fazem frequentemente: seguir os mabecos, esperar pela caçada e roubar o troféu.
 Chegando a casa, foi comer qualquer coisa, lavar os dentes e cama... eram quase 8 da manhã e esperava dormir até às 14h pelo menos... pois... esperava, às 10:30 já estava acordado, a suar que nem um porco e não conseguia estar mais tempo na cama... tinha que ir para um sitio mais fresco e com tanto calor nem conseguia dormir mais...

Hoje aproveito para descansar e dormir, amanhã será mais uma longa noite com os mabecos.

P.S. Desculpem lá não haver fotos... mas de noite as fotografias com a minha máquina são uma bosta e o máximo que consegui foi uns videozinhos.

Tudo a postos para uma trovoada

As flores começam a rebentar por todo o lado