sábado, 29 de setembro de 2012

Conservação?


Muito tenho pensado nestes últimos dias sobre a conservação da natureza em África. Na verdade tenho pensado tanto que até me custa escrever sobre isso, na minha cabeça há uma data de ideias soltas que tentar sintetizá-las a todas num texto inteligível não é nada fácil...

família de hienas a relaxar ao sol

Sempre fui (e ainda sou, calma pessoal!) um amante da natureza, daí ter o desejo de trabalhar em conservação tanto em Portugal como aqui em África. No entanto os paradigmas são tão diferentes que nem sei por onde começar...

Talvez devesse começar pelo carinho que ando a ganhar pelas gentes daqui e a aversão que começo a sentir pelos brancos endinheirados que por aqui andam... Na verdade tudo se resume a isso: brancos endinheirados Vs gentes locais.

Claro que de certeza que isto não se passa exclusivamente em África, o panorama não deve ser assim tão diferente na América do Sul, Sudoeste Asiático e ilhas várias na oceania e por esses mares tropicais fora. Mas é em África que eu estou e por isso é sobre África que me debruço.

O que ando a sentir aqui é que existe a apropriação do espaço e dos direitos sobre a terra por parte de organizações em nome da conservação da natureza. Claro que para conservar é necessário algumas regras, limites, imposições, mas... as pessoas que aqui andam sempre viveram desta terra, com estes animais, a terra é delas não? Não... pelos vistos não. Aqui pelos vistos, as pessoas não podem erguer vedações de paus à volta das suas colheitas, mas os brancos podem erguer uma vedação electrificada à volta de uma pista de aterragem com 1,5 Km de comprimento... são estas merdas que me andam a irritar. Parece que especialmente aqui em África a conservação é feita, com o principal objectivo de lucrar com as visitas de brancos ricos dispostos a pagar 600$/pessoa/noite como alguns casos... e claro esses podem fazer tudo... os dólares deles compram tudo...

Começo a achar que há alguma podridão à volta da conservação neste continente... afinal de contas, uma pessoa preocupar-se com a conservação da natureza é um luxo. Sem comida, água, luz, saúde, como é que estas pessoas se vão preocupar com a conservação? Mas depois vêm os dolares americanos, europeus, sul-africanos impor ainda mais restrições... faz-me confusão, a sério que faz. Sim eu sei, teoricamente através do turismo da natureza, a conservação pode ajudar a enriquecer o país e as comunidades locias, mas é só teoricamente, pelo menos aqui. Ás vezes penso que África é quase como um Zoo para os ocidentais... Já muito tinha ouvido falar sobre este assunto, mas senti-lo é outra coisa. A conservação da natureza em áfrica é feita por brancos para brancos.


Cada vez mais acho que a conservação só faz sentido quando se tem a população do nosso lado. Conservação não só da natureza mas também das economias locais e das pessoas, acompanhado de um grande esforço e investimento na parte da sensibilização ambiental, de outra forma, a longo prazo nunca irá ser uma ceonservação bem sucedida a longo prazo.

Por exemplo, uma pessoa rouba. O que é que será mais eficaz? Dar-lhe com um pau nas costas e prende-la, ou explicar-lhe que roubar é mau e dar-lhe as ferramentas necessárias para não ter necessidade de roubar? Parece que aqui em África é mais fácil e simples dar com o pau nas costas...

Não quero dizer com isto que não faça sentido conservar e que todos os brancos que por aqui andam são assim, é só uma reflexão, mas é algo que me faz sentir um bocado mal... Sinto-me quase como o tipo do dança com lobos que inicialmente combatia os índios e depois junta-se aos índios contra os cowboys... quem diz dança com lobos, diz pocahontas, último samurai ou avatar... a fórmula é a mesma, mas funciona não é? E pelos vistos não é assim tão descabido...




Introdução tardia


Porquê fazer uma introdução passados dois meses? Bem, era algo que já tinha pensado que devia fazer, mas a perguiça de escrever fez com que esta tarefa fosse constantemente adiada. Aproveito este fim de semana de descanso aqui em Kalabo para o fazer.

A ideia de fazer voluntariado, num local como África, América do Sul ou Ásia, há muito que me andava a atormentar o espírito. Queria fazer, mas não sabia muito bem quando, onde, como, com quem... Podia não ser voluntariado, na verdade podia ser qualquer coisa, mais do que querer fazer voluntariado ou trabalhar, o que eu procurava mesmo era a experiência de estar num destes sítios durante algum tempo, viver no mato!
Com o estágio na LPN a terminar e sem propostas de continuidade, comecei a fazer contactos. Porque não a Gorongosa em Moçambique? Pareceu-me bem! Enviei um mail, assunto: quero ir, fazer seja lá o que for. A resposta foi positiva, mas... “podes vir quando quiseres, desde que com financiamento próprio”. “Ok fixe, eles pareceram gostar de mim, mas onde é que eu vou arranjar financiamento?” 

Daí decidi ir falar com um professor da FCUL que apesar de não o conhecer pessoalmente sabia que a linha de investigação dele era na onde do que eu queria fazer e com tantos projectos além fronteiras, era concerteza a pessoa indicada para me aconselhar. Mais uma vez, enviei um mail: “não me conhce, mas acho que  é a pessoa indicada para discutir consigo uma série de coisas”, mais uma vez a resposta foi positiva “ Ok, aparece no meu gabinete dia X às X horas”. Após alguma conversa disse-me que era algo complicado arranjar financiamento para ir para a Gorongosa nessa altura, que talvez só no ano seguinte e que era preciso muito dinheiro uma vez que precisava de pagar tudo: casa, gasóleo, comida, etc etc... mas heis que após alguma refelxão “pah, mas se queres mesmo ir para África, há uma organização chamada African Parks que de certeza que te aceita como voluntário”.

Nesse mesmo dia cheguei a casa e decidi enviar um mail como sugerido: uma carta de motivação com o CV em anexo. O destino não importava, o que importava era ir: candidatei-me para 3 parques, Odzala na República Democrática do Congo, Garamba no Congo e Liuwa Plain na Zâmbia. A resposta não poderia ter sido mais rápida e inesperada, no dia seguinte já tinha uma resposta: “Ok! Se quiseres vir para Liuwa Plain serás bem vindo!”. E pronto... a partir daí foi só acertar agulhas e arriscar.

Entretanto a proposta da LPN já tinha chegado e já estava de novo no Programa Lince, mas o comboio de África já estava em andamento... já não havia nada a fazer, não podia deixar passar esta oportunidade. O resto já vocês sabem...

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Mais uma semana passada em Matamanene.
Mais uma semana sem comunicações, daí as entradas no blogue estarem a ser tão esporádicas. É o que há meus amigos, isto de andar no mato tem destas coisas... Ok eu sei, há um spot com internet no parque, mas é uma coisa muito especial, pois o sinal que se apanha é muito muito fraquinho e só ao fim do dia/noite e quando não há vento... mais uma vez é como vos digo... é o que há! :)
Agora já estou em Kalabo, regresssei ontem ao fim do dia, e amanhã ou 5ª já volto outra vez para o mato. Mais uma semana sem comunicações.

Águia pesqueira africana e grous coroados

No outro dia em Matamenene faltou a luz. Sim, porque entre outras coisas a luz é um bem precioso. Temos um gerador e três painéis solares que alimentam uma bateria de 12 baterias. Mas para computadores, luz, frigorífico os painéis são insuficientes e a gasolina para o gerador tem que ser bem racionada... ou seja, ligo o frigorífico umas 2 horas por dia e já vai com sorte! Mas pronto, como vos estava a dizer faltou a luz à noite. E eu pensei, "Epah, não vale a pena ligar o gerador agora, fica para amanhã, tenho bateria no portátil, vou ver um episódio de uma série e vou dormir", esta era a minha ideia inicial, mas sem luz, a única fonte de luz em casa era o ecrã do computador e este estava constantemente a ser bombardeado por toda a espécie de insectos voadores possíveis e imaginários, o computador e a minha cabeça está claro. Desisti. "Vou mas é dormir..." Chego ao quarto e reparo na minha rede mosquiteira à volta da cama. "Que coisa fenomenal isto das redes mosquiteiras, tanto insecto à minha volta e eu aqui dentro estou em paz. Deito-me. Ainda com a lanterna ligada olho para cima e exactamente por cima da minha cara a uns dois palmos de distância vejo um aranhão gigante! "Epah que engraçado, a sacana da aranha usa isto como uma teia para apanhar os insectos que andam aí". Olho melhor: "Fogo! a sacana está do lado de dentro! ainda me cai na boca durante a noite!" (mais uma vez, "fogo" e "sacana" não são as palavras exactas) saio da cama e espeto uma chinelada valente na aranha... bem... e assim fui dormir descansado com a aranha agora desfeita em papa entre o meu chinelo e a rede.

No outro dia estava distraído ao computador quando oiço um barulho, era um sacana de um macaco de volta do frasco do café! eheheh!

De volta a Kalabo: os jacarandás já estão em flor! Até parece Lisboa!


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Cyber café


Descobri um sitio no parque com recepção de internet e telemóvel. Fica a 7 km de casa. Foi o Roger que me falou desse sítio e levou-me lá ontem à tarde para conhecer e testar a internet. Não é um cyber café... é uma árvore! ok o parque n é uma floresta, mas mesmo assim... encontrar uma árvore específica no meio de 3600 km^2 de mato... pois...

Decidi ir ao encontro desta internet depois de jantar. Noite cerrada, lua nem vê-la, escuro como breu, o carro uma pickup Land Cruiser toda escavacada que não tem luz na cabine, o conta kilómetros não funciona, nem o velocímetro, nem o ponteiro da gasolina...! “ que se lixe! Tenho o GPS comigo, caso me perca sei voltar para tras. GPS não tem luz propria e a luz de dentro do carro n funciona... ou seja, p ver onde estava precisava de ligar o GPS e apontar o telemovel para o ecra... sempre era melhor que nada. A lanterna ficou em casa... tsc tsc...Para além disso o GPS tinha as pilhas fracas... e estava-me sempre a avisar disso mesmo...

Não obstante, aí vou eu! A caminho, comecei a estranhar haver tantas árvores ao longo da estrada, não era o caminho que me lembrava, mas andei, andei, e ás tantas, "Epah, não é isto, vou mas é voltar para trás..." Eu sabia lá se já tinha andado de mais ou de menos... As distâncias são relativas especialmente quando não se ve um palmo à frente do nariz e o conta quilometros não funciona, nem o ponteiro da gasolina, nem o velocimetro... Fui, fui, fui, e às tantas reconheço o caminho, dou meia volta e ainda marcado na areia viam-se as marcas dos pneus feitas ontem. "Ah! É mesmo isto!" Passado uma hora e meia desde que saí de casa, heis que encontro a tal árvore.

Liuwa Plain Cyber Café


Oh maravilha, vamos embora! Pois é... o pior é que não me perder não é sinonimo da viagem correr bem, a cerca de 500m de Matamanene o carro decidiu atascar na areia. "Oh diabo!" Meto as redutoras em marcha atras, o carro anda so uns centimetros... meto a primeira... mais uns centimetros, marcha atras de novo... nada. Primeira... nada... “Fogo... isto não anda nem por nada...” (não é preciso dizer que não disse exactamente “fogo”). Não tinha lanterna e mesmo que tivesse não me ia meter a andar por aí fora... "São 23:00... coitado do Roger deve estar a dormir, mas o que é que eu faço?" Dormir no carro passou-me pela cabeça, mas deixa-me cá tentar o Roger pelo rádio “ Romeo Mike, Romeo Mike for five eight” (Romeo Mike é o nome radio do roger e five eight é o nome da carripana onde eu estava,) a voz ensonada do roger atende do outro lado... ok vêm-me buscar. Passados 15 minutos lá aparece o roger e o allan para me escoltarem ate casa... aí fomos nós a pé por caminhos de areia na noite cerrada, só com duas lanternas e uma AK47 às costas do roger, nunca se sabe se um dos leões não anda á espreita, especialmente de noite.

Nunca se sabe quando é que um destes meninos anda por aí...

Mil desculpas e algumas gargalhadas depois lá chego eu a casa... uff... uma aventura em cada esquina, ate para aceder á internet, bem mais complicado do que simplesmente ir a um Cyber café e pagar uns trocos por X tempo de internet...
O carro? Esse ficou lá, tratámos disso no dia seguinte de manha, com sol e muita luz.

sábado, 8 de setembro de 2012

Uma semana em Matamanene praticamente sozinho...


Desta vez sozinho. Afinal de contas, os tipos do documentário foram-se embora e era preciso alguém para dar um olhinho nas leoas, ver como é que elas estão e claro, fazer a manutenção da vedação que apesar de eléctrica, há sempre coisas a reparar uma vez que a Miss Movie Star Lady Liuwa, inconformada, parte sempre algum cabo, deita abaixo alguma ligação. Compreendo perfeitamente o inconformismo do animal...

Chegando a “casa” em Matamenene e tinha uma visita à espera: uma hiena que fora atraída pelo cheiro do frigorífico pestilento com a carne para as leoas. Estava mesmo à porta, com o aproximar do carro pirou-se num instante, mas decidiu aparecer mais tarde quando já estava deitado, só ouvi o restolhar das folhas e a respiração do animal junto à minha janela, foi uma noite agitada em que não posso dizer que tenha dormido descansado: uma das portas de casa só fica encostada e há uma abertura na cozinha... "e se não é uma hiena que está aqui ao lado mas um dos leõs?" os barulhos da noite intensificavam-se com o silêncio e parecia que havia bichos por todo o lado... acabei por adormecer derrotado pelo cansaço. No dia seguinte as pegadas junto à janela não deixaram dúvidas, era a hiena.

Se em portugal uma pessoa não tem cuidado, acaba por ficar com a janela toda cagada pelos pombos, ora em Matamenene, quando não há muita gente em casa, o que foi o caso, uma pessoa arrisca-se a ter comida roubada da cozinha pelos simpáticos macacos que por lá andam. Houve um dia em que preparei uma couve e deitei as folhas velhas no contentor (do lado de fora) na manhã seguinte andavam loucos com as folhas de couve de um lado para o outro e olhavam para mim como se me tivessem roubado um tesouro valiosíssimo! Eu olhava para eles e ria-me, parecia mesmo que estavam a troçar de mim “Granda palerma! Roubamo-te a couve oh totó! Yeah! Ihihihih!”

macacos desafiadores
Quinta feira chegaram uns investidores para ver o parque e pensar se querem investir num alojamento xpto para turistas endinheirados. Entre as tarefas normais de ir á vedação dos leões e estar ao PC a introduzir dados e fazer mapas, sempre deu para passear mais um pouco pelo parque e desanuviar um bocado: “Pessoas! Yeah!”

bando de pelicanos



sábado, 1 de setembro de 2012

Semana calma e sexta feira...


Depois de uma semana agitada no campo, seguiu-se uma semana bastante calma, desta vez no escritório.

De 2ª a 5ª feira, os dias passaram-se no escritório de volta da tarefa de tentar arranjar a base de dados de informação geográfica aqui do parque. Grande caos! Há ficheiros espalhados por inúmeras pastas, ficheiros repetidos com nomes diferentes, em pastas diferentes... a ideia é criar um sistema simples, funcional e eliminar tudo o que seja informação repetida. Uma tarefa que não é nada emocionante mas que é necessária. E aqui estou eu para isso, portanto,  quatro dias do mais calmo que pode haver: acordar cedo, ir para o escritrio, almoçar, escritório, casa, jantar, filme, dormir.

lua cheia em Kalabo

Quarta feira chegou o pessoal da Dogs for Conservation, vão andar durante 3 semanas no parque a fazer detecção de dejectos de alguns carnívoros em áreas menos exploradas. Com sorte hei de me juntar a eles durante uma semana e aprender mais sobre a detecção de dejectos com cães.

Sexta feira: o dia menos igual da semana. Desta vez foi necessário ir ao parque (finalmente!) com um dos “parques de campismo” do parque em manutenção, foi necessário transportar algum material, ver das leoas, alimenta-las e repôr a água.

Chegando a Matamenene deparámo-nos com uma má notícia: a chita morreu... sim, a chita da fotografia da semana passada, essa mesmo. Morreu... era uma chita que estava marcada com uma coleira e a coleira foi encontrada por um dos rangers, numas ervas ensanguentadas... vestígios? A coleira, sangue, pelo de chita, um bocado de um osso... perto deste cenário, bem marcadas na areia branca, pegadas de chita e de hiena... não havia dúvidas, a chita foi caçada por hienas... a sensação não podia ser mais estranha... na televisão o impacto é tão diferente... “ a chita? aquela que há dias eu vi? que tirei fotografias?”. Como as coisas ainda podem piorar, fiquei a saber que a chita tinha uma ninhada de 3 criaturas que não deviam ter mais que dois meses... será que as hienas também limparam as crias? Fomos ver e não, lá estavam elas...

orfão

O que fazer? Após muitos telefonemas e opiniões contrárias, chegou a decisão: não há nada a fazer... é deixar a Natureza seguir o seu rumo... não foi uma decisão nada fácil.